Olivia Rodrigo: "cheerleader" punk em pose de furacão (2024)

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O primeiro de dois concertos esgotados na MEO Arena foi a confirmação de que a artista está a viver um momento de celebração único da sua música. Os 21 anos são mágicos, esta Guts Tour confirma-o.

  • André Almeida Santos Texto
  • João Porfírio Fotografia

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Durante boa parte do concerto de Olivia Rodrigo, duas fãs filmavam incansavelmente e, aqui e ali, surpreendiam ao virar num gesto repentino e suave a câmara para as próprias enquanto gesticulavam e cantavam as letras com convicção. Para consumo próprio ou para o TikTok, pouco interessa, o que importa é que se olhava em volta e o comportamento repetia-se, às dezenas. Nem sempre com o mesmo nível de mestria no foco e no ângulo, mas sempre cantando e gesticulando para a câmara, registando um momento — ou vários — para a posteridade e, mais importante, procurando guardar uma certa cumplicidade com a cantora filipino-americana de 21 anos.

A singularidade de Olivia Rodrigo neste preciso momento — e o preciso pode ser agora, ou desde que surgiu em 2021 com Driver’sLicence — passa pela forma como une quem a ouve através de um sentimento de revolta associado à perda. Por regra, uma perda que tem a ver com relações. A revolta assume diversas formas, muitas vezes em autoanálise e no assumir de erros que se repetem, uma repetição associada à noção de que o que está a acontecer é inevitável.

O amor adolescente e pós-adolescente é uma montanha-russa nas canções de Olivia Rodrigo e deixa quase uma sensação de universo monotemático — é só uma sensação, porque nem todas as canções são sobre isso — como se ela estivesse sempre a tentar exorcizar o mesmo demónio mas por caminhos diferentes. E esta ideia é importante: tentar o mesmo de diversas maneiras, conseguir aludir a um sem número de situações que podem, na verdade, ser a mesma. É essa multiplicidade de cenários que torna a sua música tão relacional, tão objetiva para um público adolescente como apaixonante para outras gerações. Olivia Rodrigo apresenta-se como a estrela pop-punk que faltava, sem rodriguinhos, sem infantilidades, com palavrões e em linha para quem se quer olhar a um espelho ou gravar-se com a ajuda de uma câmara e dizer umas quantas palavras de ordem. No fundo, é quase terapia.

Por isso, quando chega ao palco para dar início à sua estreia em Portugal e começa a lançar os primeiros versos deBadIdeaRight?, é impossível ouvi-la. Uma MEO Arena esgotada — a segunda data em Lisboa, este domingo, também já não tem bilhetes — começa a cantar em uníssono todas as letras, muito alto, abafando por completo a cantora. É um momento decisivo para muita gente — sobretudo adolescentes — que está a acontecer ali. E é extraordinário testemunhar este momento único na vida de quem segue uma estrela pop que é partilhar o mesmo espaço pela primeira vez.

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Eram sensivelmente 20h30 e a próxima hora e meia seria intensa, ruidosa e uma espécie de catarse coletiva. Antes houve Remi Wolf, com a ingrata tarefa de fazer a primeira parte, com uma sala a meia-luz, que transmitia aquela sensação de que o que importa ainda não está a acontecer e o som de palco parece ruído de uma feira de produtos de eletrónica, para onde volta e meia se viram atenções: sem culpa de Remi Wolf, mas é ingrato ter um espectáculo a acontecer neste meio-termo entre a esperar e procurar-se razões para se ficar ligado, enquanto o ambiente da sala nos informa que estaríamos melhor junto ao bar.

O gesto comunal continua por mais algumas canções — a solução era juntarmo-nos, sabendo as letras, para nos sentirmos como parte daquela onda sonora — e em simultâneo a temperatura na MEO Arena começa a subir. O inevitável calor humano toma controlo. E a música de Olivia Rodrigo contempla esse momento na perfeição.

Se TaylorSwiftdemorou mais de década e meia a fazer a estreia em Portugal e, assim, falhando “aquele” ponto na vida de uma série de fãs, Olivia Rodrigo estreia-se por cá no momento certo, com uma digressão que explora em (quase) igual medida os seus dois álbuns editados até agora,Sour(2021) eGuts (2023). Com duas datas esgotadas e milhares de fãs que sabem partilhar este seu estado e viver com ela o momento, que percebem perfeitamente porque é que se apresenta como se fosse uma princesa da Disney vestida àcheerleader punk e com uma pose de furacão.

Em parte,porqueOlivia Rodrigo é isso tudo. A sua música acarreta esses sentimentos e imagéticas todas misturadas e potenciadas por ideias que exploram vários domínios do rock: ouve-se Driver’s Licence e pensa-se emArcadeFire, canções comoBrutalouDejaVu cumprem aquilo que Avril Lavigne deixou por fazer ou Traitor ou SoAmericansentem-se como uma TaylorSwiftdesembaraçada de tudo o que ainda está por vir.

Por outro lado, é a forma como se veste – Dr.Martens calçadas durante todo o concerto —, como se mexe e como canta aquelas canções como algo tão definitivo, potente e imprevisível. Tem 21 anos e tem essa energia. As canções de Guts existem nesse lugar e é especial ouvi-las ao vivo e perceber que não só dão mais certezas à Olivia Rodrigo deSour, como são a concretização de alguém que se está a ver em ascensão, contrariando as fórmulas mais clássicas de outras cantoras pop, como Olivia, que saíram de programas da Disney.

Mas esse imaginário está lá, faz parte. E domina um dos momentos mais marcantes do espectáculo, quando Rodrigo se senta numa lua e esta levanta-se, fazendo um circuito sobre a plateia que dura duas canções: Logical eEnoughForYou (apresentada como a sua canção favorita de Sour). Canta em cima de uma lua, mas não faz serenata, o tom é sempre o mesmo, entre a mais pura confissão e o sonho da adolescência que ficou por concretizar, numa ideia de magia/fantasia, entre estrelas que vão subindo e descendo à sua volta conforme passa. O público está em delírio durante esse segmento do espetáculo. Não é para menos, quantas vezes se vê a estrela pop favorita a passar a escassos metros acima de nós?

Por esta altura, já se está para lá do meio do concerto, já se viu umas quantas pessoas a serem transportadas para fora do recinto, uma saída forçada pelo calor ou pela emoção, já ficou óbvio que mesmo quando a atitude ou as guitarras abrandam, o ambiente é quente, o público está excitado e incrédulo por ter ali à sua frente uma estrela em ascensão, que consegue comunicar com uma audiência mais nova pelo poder comunicacional e atingir uma mais velha pela nostalgia rock, sem que esteja mastigado, só empoderado para o presente.

AGutsTour tem um alinhamento de quem sabe o que está a fazer. Sem receio de ter duas das suas canções mais conhecidas logo entre as primeiras cinco — Vampire eDriver’sLicence —, como se fosse umaprovocação,mas também uma prova de que há todo um percurso que justifica aquelas canções estarem ali. E isso confirma-se no poderoso trio final:Brutal(maravilha ao vivo),Obsessed e All-American Bitch. Ou aliás: falso final, Olivia Rodrigo ainda regressou para um encore com duas canções, Good4YoueGetHimBack!, que arredondam toda aquela sensação de êxtase coletivo de um final em falso. Ao mesmo tempo, mesmo quem tenha dúvidas as esclarece rapidamente: a atitude, o lado meticuloso das canções, as referências, a eficácia e o profissionalismo mostram que esta música não é infantil e se qualquer adulto adiantado nas décadas se sentir referenciado nas canções de Olivia Rodrigo, é porque há emoções universais e atemporais que a música consegue estimular como nenhuma outra arte. E miss Olivia e sua equipa sabem bem disso.

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Author: Nathanial Hackett

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